A Psicologia Positiva é uma vertente, relativamente recente, que procura trazer à tona as potencialidades humanas, seus talentos e habilidades, em contrapartida à Psicologia tradicional, que, apesar de igualmente fundamental para o equilíbrio, aborda os transtornos, as patologias, enfim, os aspectos negativos que envolvem nossas mentes.
A busca pela felicidade é tema de estudos e abordagens desde os tempos da Grécia Antiga e a Psicologia tradicional, com frequência, é alvo de críticas, nem sempre justas, por seu direcionamento, quase total, às questões da doença, ao invés da sanidade mental. Pensando nisso, o psicólogo norte-americano Martin Seligman criou a Psicologia Positiva, em 1998. Um dos principais expoentes desse ramo da atividade psicológica no Brasil é Mônica Portella, sócia e diretora científica e de cursos de extensão do Centro de Psicologia Aplicada e Formação (CPAF), localizado no Rio de Janeiro. Mônica ressalta que um dos grandes desafios da Psicologia Positiva é descobrir como lidar com o estresse. “Procuramos criar mecanismos e instrumentos para que a pessoa saiba administrar o estresse. Segundo pesquisas australianas, o tripé básico para se chegar à qualidade de vida é manter uma atividade física, boa alimentação e um sono satisfatório. O estresse é um problema sério, pois ativa a vulnerabilidade física e mental. Por isso, buscamos conhecer e utilizar as habilidades pessoais, desenvolver as forças de caráter da pessoa. Trabalhamos com alguns aspectos principais, como talentos, emoções positivas, engajamento, significado e relações significativas. Tudo isso ajuda a administrar o estresse”, explica. A psicóloga enfatiza que as pessoas não devem depositar todas as fichas no relacionamento afetivo, pois é fundamental ter claro que os parceiros não são responsáveis pelas carências emocionais do outro. E faz um alerta: “Tem gente que foge da própria responsabilidade por achar que a sua felicidade pode ser encontrada no outro”.
Mônica também é pós-doutora em Psicologia e em Psicologia Social, mestre em Psicologia Cognitiva. É consultora e autora de artigos na área de comunicação não verbal e controle do estresse. O CPAF é uma instituição que congrega um grupo de psicólogos, que desenvolve, há quatro anos, uma série de trabalhos dentro do paradigma cognitivo-comportamental, nas seguintes modalidades: atendimento individual para adultos, crianças e adolescentes; atendimento em grupo a portadores de transtorno da ansiedade social, timidez, transtorno do pânico, transtorno da ansiedade generalizada, dentre outros. Oferece ainda, cursos de capacitação profissional para psicólogos e estudantes de Psicologia; e desenvolve cursos e treinamentos destinados a empresas e ao público em geral. Ela também se destaca ministrando palestras, cursos e é autora de livros, como A Ciência do Bem Viver e Teoria da Potencialização da Qualidade de Vida, ambos abordando propostas e técnicas da Psicologia Positiva.
Um fator bem interessante é que, a partir de 2008, alguns profissionais passaram a usar as técnicas da Psicologia Positiva para o tratamento de alguns transtornos mentais, como depressão. E os resultados foram ótimos, pois melhoraram muito a vida dos pacientes
Em linhas gerais, o que é a Psicologia Positiva e qual a sua diferença em relação a teorias de autoajuda, muito comuns hoje em dia, e que apresentam resultados pouco eficazes?
Mônica Portella – Primeiro, é fundamental deixar claro que a Psicologia Positiva não tem absolutamente nada a ver com autoajuda. Essa técnica é científica e trabalha, por origem, com o ser humano saudável. Aqui, podemos observar uma quebra de paragidma, pois ela busca desenvolver as potencialidades, enquanto a Psicologia Clínica, que é a mais tradicional, a Psicanálise e outras formas terapêuticas lidam com a pessoa doente, procuram tratar dos seus males, uma vez já instalados. Em 1998, o psicólogo norte-americano Martin Seligman criou a Psicologia Positiva, quando assumiu a presidência da Associação Americana de Psicologia. Ele levou este projeto à frente como a principal bandeira de sua gestão. Resolveu apostar nessa linha, que quer cuidar do ser humano saudável, como eu disse, mostrando que a vida vale a pena ser vivida e que as pessoas devem aproveitar seus talentos, pontos fortes, enfim, o que têm de melhor.
Para quem é recomendada a Psicologia Positiva? Como é sua aplicação, ela existe como forma terapêutica para pacientes com algum problema psíquico ou emocional ou é utilizada, somente, como forma de prevenção a esses problemas?
Mônica – A Psicologia Positiva é recomendada para todas as pessoas que sentem necessidade de conhecer e desenvolver suas habilidades. Vou tentar ilustrar: imagine uma linha reta, que tem o zero no centro. À esquerda, temos -1, -2, -3 e assim por diante. À direita, temos 1, 2, 3 etc. A maioria das pessoas está no zero, ou seja, com ausência de doença. Mas isso não significa qualidade de vida. Quem está passando por uma depressão, por exemplo, pode sair dela (voltar ao zero), utilizando métodos terapêuticos convencionais, mas sua vida pode ser totalmente sem graça. O que a Psicologia Positiva faz é tentar fazer com que esta pessoa vá do zero para 1, 2, 3 em diante, passando pelos estágios da potencialização primária e secundária. Um fator bem interessante é que, a partir de 2008, alguns profissionais passaram a usar as técnicas da Psicologia Positiva para o tratamento de alguns transtornos mentais, como depressão. E os resultados foram ótimos, pois melhoraram muito a vida dos pacientes. Alguns estudos realizados nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Austrália provam que o uso de antidepressivos faz o paciente melhorar em 12 semanas. As técnicas da Psicologia Positiva usam menos tempo e o que é melhor, sem os feitos colaterais principais desse tipo de medicamento, que são a diminuição do apetite sexual e o aumento de peso. Mas isso, evidentemente, não interessa aos laboratórios farmacêuticos, que vivem da produção e comercialização de medicamentos.
Quais as diferenças entre a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Terapia Cognitivo-Comportamental Positiva?
Mônica – A Terapia Cognitivo-Comportamental tradicional faz avaliações dos doentes e não dos aspectos saudáveis. Nós procuramos agregar a essa técnica possibilidades de aumentar as emoções positivas, buscando a potencialização dos pontos fortes do ser humano.
Não acho impossível manter a chama acesa do relacionamento. No entanto, é imprescindível que o casal separe alguns momentos para os dois aproveitarem, para interagir e se manter sempre em contato direto. A expressão-chave para isso é variedade na relação. O cérebro do ser humano pede variedade
Um dos grandes males da vida moderna é o estresse. Os médicos preconizam várias receitas, as quais todos sabemos. Mas, na verdade, a dificuldade é colocar em prática. Como é possível controlar o estresse, diante de uma realidade de vida que não pode ser alterada, em função de necessidades?
Mônica – Este é o grande de desafio. Nós procuramos oferecer qualidade de vida, criar mecanismos e instrumentos para que a pessoa saiba administrar o estresse. Segundo pesquisas australianas, o tripé básico para se chegar à qualidade de vida é manter uma atividade física, uma boa alimentação e um sono satisfatório. O estresse é um problema sério, pois ativa a vulnerabilidade genética, física e mental.
Por isso, procuramos conhecer e utilizar as habilidades pessoais, desenvolver as forças de caráter da pessoa. Trabalhamos com alguns aspectos principais, como talentos pessoais; emoções positivas; engajamento, que significa atingir um estado que chamamos de flow, no qual a pessoa, praticamente, perde a noção de tempo e chega a uma sensação agradável, acionando um neurotransmissor chamado dopamina, responsável pelo bem-estar, que pode ser conseguido por meio da prática de um esporte, um trabalho do qual goste muito etc; outro aspecto é chamado de significado, que não se trata de religiosidade, mas aponta para a necessidade de a pessoa deixar um legado na vida; e as relações significativas, ou seja, interagir com pessoas que tenham a ver com ela, pois está provado que quem tem de dois a três amigos verdadeiros está bem longe de sofrer riscos cardíacos. Tudo isso ajuda a administrar o estresse.
Todos almejam ser felizes. A maioria das pessoas procura alguém para suprir as carências emocionais, com o objetivo de alcançar a tal felicidade. Como observa a questão, a felicidade é mais individual ou depende de um relacionamento estável?
Mônica – Essa questão é muito interessante e polêmica, também. Isto, de fato, acontece. Mas é fundamental ter claro que os parceiros não são responsáveis pelas carências emocionais do outro. É a pessoa quem os escolhe. No entanto, tem gente que deposita tudo na relação, foge da própria responsabilidade por achar que a sua felicidade pode ser encontrada no outro. Trabalhos recentes apontam, inclusive, que pais que têm filhos, perdem em felicidade nos primeiros dois anos de vida da criança, pois deslocam toda a energia para eles. Conforme os filhos crescem, os níveis de felicidade dos pais aumentam.
Boa parte das pessoas reclama que é impossível manter a chama acesa no relacionamento amoroso. Existe algum mecanismo psicológico que faz com que isso seja possível ou essa busca acaba precipitando o t érmino da relação?
Mônica – Não acho impossível manter a chama acesa do relacionamento. No entanto, é imprescindível que o casal separe alguns momentos para os dois aproveitarem, para interagir e se manter sempre em contato direto. A expressão-chave para isso é variedade na relação. O cérebro do ser humano pede variedade. Portanto, é fundamental que o casal viaje junto, se relacione sexualmente em lugares inusitados, tente voltar aos tempos de namoro, promovendo atitudes como deixar bilhetinhos para o outro. Essas iniciativas, seguramente, vão ajudar no relacionamento. É inevitável que no período entre 6 meses e dois anos a relação esfrie, o que não significa que tenha acabado. Quem lançou um livro bem interessante sobre o tema – Os Mitos da Felicidade – foi a psicóloga russa, radicada nos Estados Unidos, Sonja Lyubomirsky, especialista em Psicologia Positiva. Ela aponta no livro algumas manobras para o casal se manter com a chama acesa.
O importante é que o homem se mantenha fiel à sua essência. Hoje, há casos de homens que se dedicam a cuidar da casa e dos filhos, enquanto a mulher assume o papel de provedora, trabalhando fora e trazendo dinheiro para casa. Se ele está feliz com isso, se é sua essência, sem problemas
Como o homem se comporta em relação à sua masculinidade, diante do mundo moderno? A mulher mudou bastante nas últimas décadas, mas e o homem?
Mônica – Em relação a esse tema, tenho de voltar à Psicologia tradicional, pois não costumamos estudar homem e mulher de forma separada na Psicologia Positiva. De qualquer forma, vou tentar adotar um viés da Psicologia Positiva. Ou seja, o homem que desenvolve seu autoconhecimento tem chances muito maiores de ser feliz, em qualquer circunstância.
Exemplos como os chamados metrossexuais, que se preocupam em demasia com a aparência física, comprovam a Tese de que o homem está mais feminino ou, especialmente entre os latinos, a figura do provedor ainda é a grande maioria?
Mônica – O importante é que o homem se mantenha fiel à sua essência. Hoje, há casos de homens que se dedicam a cuidar da casa e dos filhos, enquanto a mulher assume o papel de provedora, trabalhando fora e trazendo dinheiro para casa. Se ele está feliz com isso, é sua essência, sem problemas. E isto serve, também, para as mulheres. Há muitas que optam por não ter filhos, papel cultural historicamente destinado a elas pela sociedade. Caso não seja a vocação dela, tudo certo.
A sociedade não cobra muito essa mudança de atribuições?
Mônica – Sem dúvida. É preciso ter uma cabeça muito boa para superar as cobranças. E nesse aspecto, sem dúvida, a mulher avançou mais. Somente agora o homem está conseguindo atingir esse estágio. E, nessa hora, a Psicologia Positiva assume uma importância grande, pois oferece instrumentos de autoconhecimento para se chegar ao bem-estar e à qualidade de vida. É preciso coragem para assumir o papel de autor e ator da própria vida. Não é uma tarefa fácil.
Outro assunto no qual é especialista é a mentira. Você desenvolveu uma pesquisa, que chegou à conclusão de que os homens brasileiros mentem melhor do que as mulheres. O que significa mentir melhor e por que os homens aparecem na frente nesse quesito?
Mônica – Minhas pesquisas a respeito da mentira foram desenvolvidas antes de eu me dedicar à Psicologia Positiva. Mas posso afirmar que esse trabalho é cientificamente e significativamente comprovado. Mentir melhor é apresentar maior controle sobre as expressões faciais e emocionais, e os homens conseguem fazer isso de maneira mais eficaz, por fatores culturais. Eles foram criados para não chorar e exteriorizar emoções. A forma de criação, sem dúvida, se reflete nesse aspecto.
Existem técnicas para se descobrir que você está sendo vítima de uma mentira?
Mônica – Sim. Há várias técnicas de conhecimento do comportamento não verbal. Não é fácil entendê-las, mas quem consegue pode detectar uma mentira em 80% dos casos. Essa é uma questão que precisa de cuidado e demanda tempo e espaço para eu explicar.
Existem mentiras que são benéficas? Estas são aceitáveis ou, também, devem ser combatidas no nosso dia a dia?
Mônica – Você se refere às mentiras light. A verdade é que é uma grande hipocrisia alguém afirmar que não mente. A mentira é um fenômeno cultural, que serve, inclusive, para preservar as relações humanas. Estas não devem ser combatidas. Não estou fazendo apologia à mentira, mas este fato é uma realidade. O problema é quando as mentiras ganham dimensão e provocam consequências danosas.
Existe uma relação entre memória e mentira? Há casos em que duas pessoas viveram situações juntas, principalmente histórias antigas. uma tem em mente uma versão bem diferente da outra. e nem sempre uma delas está mentindo. A memória interfere ou, na cabeça do ser humano, a vivência é um conjunto do que foi vivido e do que foi “inventado”, de forma inconsciente?
Mônica – Isto acontece, sim. Na verdade, quando ocorre é porque cada um tem uma interpretação de cada situação, que é bem diferente. Várias pessoas podem assistir à execução de um crime e cada uma contará de forma diversa, pois cada um se concentra em aspectos diferentes da mesma situação.
Outro assunto ao qual você se dedica é o estudo da relação dos avós com seus netos. Há casos, relativamente frequentes, de avós que se intrometem na educação dos netos, função que deve ser exclusiva dos pais. Como observa a questão?
Mônica – Com esse tema volto à Psicologia Positiva. O que deve ficar bem claro é que o papel dos avós não é educar e, sim, ficar com a parte boa da relação, pois eles estão mais aptos a observar os talentos das crianças e incentivar as habilidades dos netos. É uma relação sem medo e sem emoções negativas, ou seja, pode ser muito significativa na vida dos netos. Se os avós souberam trabalhar isso de forma eficiente, sem atropelar a relação, serão extremamente importantes na vida dos netos.
Sempre se falou que os avós devem “estragar” os netos, referindo-se à permissividade exagerada, uma característica da maioria dos avós. Podemos dizer que esse conceito está fora de moda?
Mônica – Os avós não devem “estragar” os netos, mas, sim, transmitir crenças positivas e ajudar no desenvolvimento da autoestima, justamente, porque têm isenção e só precisam desenvolver emoções positivas.
Atualmente, há certa confusão, no que se refere aos papéis que devem ser exercidos pelos avós, até mesmo porque, hoje, muitos praticamente criam as crianças. Como o fato pode prejudicar o comportamento psicológico da criança e até dos pais?
Mônica – Sim, hoje é comum ver muitos avós que criam os netos. No entanto, o que não pode acontecer é esses avós tratarem seus filhos da mesma forma que os netos. Dessa maneira, os pais se transformam em irmãos dos filhos, o que tira totalmente a autoridade dos pais. Há casos extremos em que os filhos batem nos pais.
A verdade é que é uma grande hipocrisia alguém afirmar que não mente. A mentira é um fenômeno cultural, que serve, inclusive, para preservar as relações humanas. Estas não devem ser combatidas. Não estou fazendo apologia à mentira, mas esse fato é uma realidade
Mais um tema alvo de suas análises é o sofrimento em função de traumas graves, que deixam feridas abertas. Como lidar com isso? As pessoas podem reagir de formas diferentes ao mesmo trauma? Em uma entrevista, você afirma que alguns podem desenvolver resiliência, enquanto outros se deprimem profundamente, tendo vivido a mesma situação. O que faz essa diferença?
Mônica – Existem três situações claras, que acontecem após uma pessoa sofrer um trauma grave, como ver a morte de perto, ser vítima de estupro ou algo semelhante. A pessoa tem chances de desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático, que pode ser tratado com eficácia pela Terapia Cognitivo- -Comportamental; pode voltar a ser a pessoa que era antes da ocorrência; ou pode crescer como ser humano, desenvolver resiliência e se tornar uma pessoa melhor depois do processo pós-traumático. A Psicologia Positiva age de forma eficaz nesses casos e ajuda a recuperar a pessoa, mas deve ser empregada o mais cedo possível.
Quem sofre mais com esses traumas, a criança, o adolescente ou o adulto? A intensidade do sofrimento depende da maturidade?
Mônica – A intensidade do sofrimento, derivado de algum trauma, não depende da maturidade da pessoa. Então, posso afirmar que as reações e os possíveis distúrbios emocionais causados por essas experiências são distribuídos igualmente, independentemente de idade, grau de maturidade e gênero.